26 de maio de 2011

The Melody



Florence acordou com uma frestinha de sol em seu rosto, proporcionada pela persiana esquecida aberta na noite passada. Às vezes deixava aberta de propósito, só para ser acordada pelo sol no outro dia. Achava o melhor despertador. Pedia todo dia mais cinco minutinhos, só pra ter o que falar, mesmo que para ninguém. Sabia que estava no seu limite de tempo e que aquele pedido não podia ser atendido. Quer dizer, caso não quisesse perder o ônibus, não chegar atrasada no emprego e não ser demitida.
Descobriu-se, olhou para o teto e pedia força a Deus para mais um dia.
Levantou-se da cama, passou a mão no rosto e foi cambaleando até a janela e observou a rua pelas frestinhas.
Puxou a toalha de cima da cadeira e cambaleou mais um pouco até o banheiro. Tomava banho quente todos os dias, era praticamente um vício seu. Embaixo do chuveiro, relembrava o sonho que tivera naquela noite. Sorriu. Repassou tudo o que lembrava, que por incrível que pareça, era quase todo o sonho.
O sonho fora nada mais do que uma forte vontade sua, ela sabia disso. Estava acompanhada de um bom livro, em cima de um telhado de uma casa qualquer, com uma chaminé a sua esquerda, da qual saía um pouco de fumaça. Fazia muito frio. Ela estava bem agasalhada e com uma xícara de um bom chá para aquecê-la ainda mais. Ela sempre quis fazer isso. Mas no sonho o cenário estava bem mais lindo. Lembrou que de onde estava, podia ver alguns meninos brincando e algumas passando pela rua. Ficou tentando entender como as crianças conseguiam brincar, mesmo fazendo tanto frio. Crianças. Sonhos. Segurou a xícara com a mão esquerda e o livro com a direita. Não lembrou de nada concreto que leu no livro. Mas lembrou que havia uma melodia vinda do lado vazio da cidade, enquanto lia o livro. Não lembrava de nenhuma nota sequer, até porque não entende disso, mas tinha certeza que era a música mais perfeita da sua vida. Gostaria de escutar outra vez.
Parou de lembrar desse sonho bobo e terminou seu banho pensando em outra dúzia de coisa.
Enxugou-se e foi para o quarto vestir-se rapidamente.
Pegou a bolsa, que estava sempre pronta com tudo aquilo que ela precisava e partiu para a cafeteria no fim da sua ruazinha, onde sempre tomava seu café da manhã.
Empurrou a porta da tal cafeteria e bagunçou a franja molhada. Uma mania.
- Bom dia! - ia repetindo para as pessoas com quem cruzava o olhar.
Era sempre simpática assim e isso não era mania, era herança de sua querida mãe. Não precisou fazer nenhum pedido, porque todos na cafeteria já sabiam o que levar para ela.
Comeu delicadamente, passou ligeiramente o guardanapo na boca e levantou-se para ir até o banheiro, para colocar um pouco de batom. Era assim todos os dias.
Ligeiramente outra vez, caminhou até a porta.
Foi interrompida quando já estava com a mão na maçaneta.
- Florence! - alguém que estava no finzinho do balcão gritou. - Florence!
Ela olhou lentamente, de baixo pra cima, e avistou quem a chamava. Esperou Luíz, que já estava a caminho dela, chegar.
- Florence, pediram para te entregar isto - e estendeu um minúsculo iPod rosa. Colado a uma fita adesiva, uma espécie de pedido: "Ouça." Ela riu, lembrando Alice no País das Maravilhas e as duas coisas que ela teve que comer e beber.
- E quem foi, Luiz? - ela perguntou, curiosa.
- Não sei quem era o moço. Pediu para te entregar enquanto você foi ao banheiro e logo saiu.
-Bem... Obrigada - pegou o objeto das mãos de Lúiz e saiu.
Curiosa, olhou a rua, tentando encontrar algum sujeito suspeito. Só crianças brincando e algumas pessoas passando, igual ao sonho.
Resolveu fazer o que a mensagem pedia. Procurou seus fones de ouvido dentro da bolsa e apertou play. Deu cinco passos e parou. Aquela era a música do sonho, tinha certeza. Olhou outra vez a rua. Nada nem ninguém, há não ser a mesma paisagem de segundos atrás. Colocou a música no modo repeat e achou graça.
Aquela talvez tenha sido a força que tinha pedido a Deus assim que acordou. Saiu pedindo que amanhã tivesse continuação.

Nenhum comentário: