I
muitas águas passaram
por debaixo dessa ponte
mas até agora
aquele barco
nunca voltou ao porto
II
destruiu algumas canetas
amassou alguns papeis
derrubou café na mesa
e quebrou alguns copos
depois vi que era apenas
a minha vida agora
e nada arruma
a bagunça
que essa cachorra faz
III
sejam ruas de ouro
ou beira de estrada
você sabe que
uma hora ou outra
vai dar de frente com ela
IV
entre cartografias
e linhas do tempo
existe sempre uma coisa
em comum
V
abrem-se portas
folheiam-se livros
riscam-se fósforos
mas apenas uma coisa
permanece
imaculadamente
estática
VI
seja de barro
ou cimento
de madeira
ou aço
todos os corações
pesam toneladas
VII
pouco importa a mesa posta
às cinco
ou a missa do galo
às doze
o meu ritual acontece
pontualmente
desde que coloco os pés
fora do meu cativeiro
VIII
sejam trezentos
ou apenas três
o que determina essa medida
não é a matemática
IX
sem choro
sem vela
sem água
sem mistura
nem frio
nem quente
esse prato
come-se cru
X
dos cachorros
ou brincadeiras
das músicas
ou momentos
a pior de todas
é da brisa leve
que o amor
sopra na janela
XI
parece que vão arrancar
os seus olhos
e os seus braços
mas você permanece inteiro
e essa é a pior parte
XII
não é o sexo
não é o fruto
não é a linha amarela do metrô
a parte proibida da vida
é aquele rasgo no carpete
feito há anos que ignoramos
mas que sabemos
que está lá
Um comentário:
"seja de barro
ou cimento
de madeira
ou aço
todos os corações
pesam toneladas"
-
Seja de ouro, mármore, diamante ou pedra, todos os corações (bonitos ou não); são penetráveis.
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