1 de junho de 2015

Saudade em XII atos

I

muitas águas passaram
por debaixo dessa ponte
mas até agora
aquele barco
nunca voltou ao porto

II

destruiu algumas canetas
amassou alguns papeis
derrubou café na mesa
e quebrou alguns copos
depois vi que era apenas
a minha vida agora
e nada arruma
a bagunça
que essa cachorra faz

III

sejam ruas de ouro
ou beira de estrada
você sabe que
uma hora ou outra
vai dar de frente com ela

IV

entre cartografias
e linhas do tempo
existe sempre uma coisa
em comum

V

abrem-se portas
folheiam-se livros
riscam-se fósforos
mas apenas uma coisa
permanece
imaculadamente
estática

VI

seja de barro
ou cimento
de madeira
ou aço
todos os corações
pesam toneladas

VII

pouco importa a mesa posta
às cinco
ou a missa do galo
às doze
o meu ritual acontece
pontualmente
desde que coloco os pés
fora do meu cativeiro

VIII

sejam trezentos
ou apenas três
o que determina essa medida
não é a matemática

IX

sem choro
sem vela
sem água
sem mistura
nem frio
nem quente
esse prato
come-se cru

X

dos cachorros
ou brincadeiras
das músicas
ou momentos
a pior de todas
é da brisa leve
que o amor
sopra na janela

XI

parece que vão arrancar
os seus olhos
e os seus braços
mas você permanece inteiro
e essa é a pior parte

XII

não é o sexo
não é o fruto
não é a linha amarela do metrô
a parte proibida da vida
é aquele rasgo no carpete
feito há anos que ignoramos
mas que sabemos
que está lá

Um comentário:

Anônimo disse...

"seja de barro
ou cimento
de madeira
ou aço
todos os corações
pesam toneladas"
-
Seja de ouro, mármore, diamante ou pedra, todos os corações (bonitos ou não); são penetráveis.